quinta-feira, 29 de abril de 2010

Bhagavad Gītā, Dharma e Sea Shepherd




A Bhagavad Gītā faz parte do épico mais importante da Índia, o Mahābhārata. Esse texto com mais de 5.000 anos é estudado até hoje, pois aborda questões como as limitações fundamentais do ser humano, como o sofrimento, a morte e a ignorância.


A história tem seu ápice quando no meio do campo de batalha, antes de iniciar a guerra, o guerreiro Arjuna se dá conta que irá lutar contra alguns de seus parentes e amigos. Confuso, ele pensa em desistir, mas ao final pede ajuda a Krishna, o condutor da carruagem. Naquele momento inicia-se o diálogo entre o mestre Krishna e o discípulo Arjuna aonde o Yoga é ensinado. Ao final desse dialogo, Arjuna entende que lutar nessa guerra, que havia tentado evitar de várias maneiras, era a única alternativa que lhe restava para defender o dharma.


O que é dharma?
Dharma etimologicamente significa “aquilo que aglutina, que mantém unido”. Dentre os diversos significados, o termo aponta para a idéia de ordem, lei, dever, virtude, bem comum, ética e conduta. Está inserido no sentido de preservar, manter a coesão entre as pessoas e as coisas, fazer aquilo que nos cabe, dar a nossa contribuição ao mundo.


A Bhagavad Gītā está inserida dentro do conhecimento do Vedānta. Esse estudo não está distante das nossas próprias questões a serem resolvidas. Somente através da prática do dharma é que temos a condição de reconhecer que a nossa natureza não está separada do que está nossa volta. Para isso, a ética do bom senso é indispensável, não fazer aos demais o que não gostaríamos que fizessem a nós mesmos, já que para toda ação existe um resultado.


Aproveitando esse exemplo gostaria de divulgar um grandioso trabalho de pessoas que estão arriscando suas próprias vidas nos mares do mundo a fora, o da Sea Shepherd.

A Sea Shepherd Conservation Society é uma organização não governamental sem fins lucrativos e foi oficialmente fundada no estado de Oregon, nos EUA, em 1981. Já havia a idéia de sua criação quando o capitão canadense, Paul Watson, fundou a Earth Force Society em Vancouver, no Canadá, em 1977. O objetivo inicial de ambas as organizações era o de proteção e conservação dos mamíferos marinhos, visando, como meta imediata, o fim da caça ilegal às baleias e focas, porém, posteriormente, a Sea Shepherd expandiu sua missão, incluindo toda a vida marítima.

Em 1978, com apoio financeiro de Cleveland Amory, do Fund for Animals, a Sociedade comprou seu primeiro navio, o inglês Westella, e rebatizou-o de Sea Shepherd. Sua primeira missão foi viajar rumo às águas gélidas do Leste do Canadá para interferir na atual matança de filhotes de focas harpa, conhecidas como “casaco branco”. No mesmo ano, a Sea Shepherd perseguiu e abalroou o notório navio baleeiro Sierra num porto português, pondo fim à sua infame carreira de fantasma dos mares.


O sucesso da campanha contra a caça às focas e o abalroamento do Sierra marcaram o início das 160 viagens históricas da Sea Shepherd durante as próximas duas décadas, assumindo um papel de fiscalização e execução de leis internacionais de conservação onde elas não se aplicam em alto-mar.


A Sea Shepherd continua realizando sua missão comprometendo-se com a erradicação da caça ilegal de baleias, contra o assassinato de tubarões para uso de suas barbatanas, a destruição de habitats, os crimes contra a vida marinha e a violação de leis que regem os oceanos.


Muitas pessoas podem criticar essa organização dizendo que há um excesso em suas ações. Contudo, dentro do dharma, a força algumas vezes é necessária quando todas alternativas cabíveis não surgem efeito. É importante ressaltar, que a Sea Shepherd Conservation Society é guiada pela Carta Mundial da Natureza da ONU e é tida como autoridade de agir em detrimento as leis internacionais de conservação. Não se opõe aos baleeiros japoneses ou noruegueses, se opõe aos baleeiros ilegais como é definido nas leis de conservação internacionais. Não se opõe aos caçadores de focas canadenses ou sul-africanos, e sim à matança indiscriminada de focas. Os voluntários da Sea Shepherd vêm do mundo inteiro, incluindo das nações que ela é forçada a se opor como o Japão, Noruega, e Canadá. Conta também com vários institutos Sea Shepherd espalhados pelo mundo inclusive no Brasil (http://seashepherd.org.br/).


O lugar aonde o ensinamento da Bhagavad Gītā acontece é num campo de batalha. Percebemos que o campo de batalha onde as ações da Sea Shepherd acontecem é no mar. Constatamos quantos interesses estão envolvidos para que as autoridades responsáveis por cuidar do meio ambiente marítimo façam vista grossa e o adharma (não-dharma) continue acontecendo. Infelizmente, não estamos sendo capazes de utilizar a discriminação em prol do bem comum. É justamente essa liberdade de escolhas, que nos torna especial em relação aos outros seres vivos, mas não adianta nada quando usamos esse poder para o benefício próprio ou interesses pessoais.


Om. Que a prosperidade e o bem-estar sejam glorificados.
Que os governantes nos governem com retidão e justiça.
Que a sabedoria e o conhecimento sejam protegidos.
Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.
Om, que haja prosperidade para todos.
Que todos vivam em paz, que todos sintam a plenitude.
Que todos estejam bem, que todos sejam felizes.
Que todos estejam livres de doenças.
Que todos vejam o bem, que ninguém sofra.


Parabéns, Sea Shepherd, por longos anos de luta defendendo o que é correto, ajudando a cuidar daquilo que “é nosso”, o mar e os animais que nele habitam!




“Eu me sinto honrado em servir às baleias, golfinhos e focas – e todas as outras criaturas desse planeta. Sua beleza, inteligência, força e espírito têm me inspirado. Esse seres têm conversado comigo e me tocado e eu fui recompensado com a amizade de muitos membros de diferentes espécies. Se as baleias sobreviverem e se desenvolverem, se as focas continuarem vivas e dando à luz e se eu puder contribuir para garantir sua prosperidade futura, serei eternamente feliz."   Paul Watson

domingo, 25 de abril de 2010

Do Mar




Imagine uma praia. Um lugar praticamente deserto. Mar limpo, ondas fortes quebrando na areia, criando uma espuma branca, como se fosse nuvem... Um céu azul, o sol tornando a temperatura deliciosa.
Garças voando numa dança aérea, tingindo o céu de branco e de liberdade.


Você chega nesta praia, tira os sapatos, e caminha sentindo o calor da areia massageando seus pés e, quando achar que deve, você deita.


Fecha os olhos e respira fundo, uma, duas, várias vezes, e deixa que o corpo se misture com a areia, que se torne areia...


Ouça o barulho das ondas que vem e vão ao sabor do vento.


Ondas vem trazendo paz e vão, levando o cansaço. Vem trazendo saúde e vão, levando as toxinas que você respira, ingere, assiste, pensa...


Ondas vem e você deixa que elas levem seus julgamentos, suas opiniões, suas desilusões.


Deixe que o ar toque sua pele, sinta este prana entrando por todos os seus poros, fortalecendo sua saúde, aumentando a sua imunidade, e deixando seu corpo leve como a garça que voa fazendo acrobacias no ar.


Pense nas pessoas que você ama e envolva-as nessa onda de paz.


Quando o calor do sol tomar conta do seu corpo, você se levanta devagar e anda em direção a água. Molha primeiro os pés, depois as mãos, os pulsos e joga água no rosto. Brinca com a água, pula, grita, dá gargalhadas como quando era criança.


Pense em todas as crianças que não podem brincar e mande esta alegria para elas. Sinta o sal da água penetrando na sua pele e limpando as toxinas que a vida urbana nos obriga a acumular e esfregue-se com esta água pura.


O mar está forte, mas mesmo assim, você entra devagar, furando umas ondas, pulando outras, enfrentando de frente aquelas que são mais fracas.


Às vezes a onda te pega de surpresa e te dá um caldo, mas você se levanta e se diverte com a brincadeira. Entrega-se a ela. Entrega-se ao mar.


E percebe que as ondas são como as adversidades da vida que às vezes nos derrubam, mas mesmo atordoados pelo caldo, nos levantamos e seguimos em frente.


Às vezes, conseguimos mergulhar antes que a onda estoure e assim, evitar que nos machuquemos. Como na vida, quando conseguimos intuir uma situação de risco e nos afastamos dela, poupando-nos de um sofrimento futuro. Outras vezes, recebemos a onda de frente e não caímos. Olhamos e encaramos de peito aberto, mesmo que ela estoure em nossa cara, mesmo que nos derrube, mas tentamos, arriscamos, e muitas vezes envergamos como um bambu, mas não caímos. Vencemos o inimigo de frente, com a cara e a coragem.


Ou outras vezes, quando inesperadamente, vem-nos uma coragem de gigante, de uma fonte que nem sabíamos que existia, e nos dá força para enfrentar as maiores perdas de cabeça erguida, na certeza de que tudo acontece por razões que vão além de nossa mera capacidade de compreender.


E muitas vezes, apesar de a onda ser forte, assustadora, conseguimos nadar em direção a ela e recebê-la em nosso corpo sem que isto nos desequilibre porque de alguma forma sabemos que devemos enfrentar o medo pois só assim podemos crescer. Então mergulhamos, mesmo sem saber o que vamos encontrar e quanto mais fundo entramos, mais o medo se afasta. Medo tem medo da coragem da gente....


No fundo do mar, não há mais ondas, há apenas um doce balanço e o silêncio. A paz...


Ao nos entregarmos ao mar, todas as resistências se quebram e nos tornamos mar. Sentindo a água tocar a nossa pele, temos certeza que somos como ela, e sabendo que nossa essência é a mesma da água, paramos de nos enxergar pequenos e de ter medo dela.


Tornando-nos mares, tomamos consciência de nossa força e plenitude e paramos de nos identificar com a imagem que víamos de fora, antes de entrarmos até o fundo, de que não teríamos força para encarar sua ondas.


No fundo do mar, não há ondas para nos desequilibrar. Há apenas harmonia...


O mesmo acontece quando descobrimos que somos um com tudo o que existe. Paramos de ver diferenças entre eu e o outro, entre gente e animal, entre o um e o todo.


Ao desaparecerem as diferenças, enxergamos aquele ponto do universo que reside dentro do nosso coração. Aquele ponto onde mora o deus que podemos vir a ser. Aquele ponto onde se esconde o ser completo que sempre fomos e esquecemos.


O mar é nosso espelho e quando olhamos para ele sem julgar, somos capazes de ver deus nele e assim, nos vermos refletidos em deus, que é o mar e que somos nós.


Temos o mesmo DNA do mar. Somos todos ondas do mesmo mar...


E assim, plenos de força e em paz conosco e com os demais, saímos devagar da água, e voltamos à nossa sala de prática, aos nossos deveres, trazendo esta sensação de paz e plenitude para o nosso dia.


Com um sorriso de contentamento no rosto, encerramos a meditação, sabendo que 'a prática termina aqui, mas o Yoga continua...'


Namaste!


Por Tereza Freire, instrutora de Yoga (SP) - http://www.yoganavida.blogspot.com/

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Entrevista: Karol Meyer


Karol Meyer é um ícone do mergulho em apnéia no Brasil e exterior. Nasceu em Recife (PE), mas veio ainda pequena morar em Florianópolis/SC. Sempre em contato com o mar veio mais tarde a se tornar uma das melhores do mundo e conquistar recordes que estão gravados na história (5 recordes mundiais, 2 continentais, 30 sul-americanos e 6 nacionais). Dentre seus feitos, se tornou o ser humano com o maior tempo de apnéia no mundo, com incríveis 18 minutos e 32 segundos sem respirar, indo para o livro dos recordes, o Guinness Book TM. Além dessa dedicada paixão ela divide o seu tempo entre o trabalho na Caixa Econômica Federal, a familia, cursos como Instrutora de Mergulho e palestras motivacionais.


A Karol trará aqui algumas curiosidades sobre a sua vida dentro e fora d´água.


Vicente Morisson: Quando você se interessou pelo mergulho em apnéia?
Karol Meyer: Como prática de lazer, que eu considero o verdadeiro mergulho, desde pequena. De forma competitiva, há 13 anos.


VM: Qual é o tipo de mergulho em apnéia que você prefere?
KM: Tenho preferência pelas modalidades que envolvem maiores profundidades (Lastro variável e No Limits) e a apnéia estática.




VM: Sabemos que além de praticar Yoga você também é formada em instrutor de Yoga. O que lhe fez procurar essa prática?
KM: Desde pequena sempre tive grande atração pelo mar... E foi através deste mar, da busca por melhores performances para a prática de um esporte considerado de alto risco, que eu encontrei o Yoga... Comecei a praticar até que encontrei o Yogashala (SC), na época realizei aulas com Pedro Kupfer e a Camila Reitz e foi quando eu realmente comecei a perceber a dimensão do Yoga.


VM: Algo modificou desde quando você começou a praticar? O quê?
KM: Minha flexibilidade, postura, a própria respiração melhoraram muito. No plano mental meus pensamentos se tornaram mais estáveis. Aprendi a ser mais tolerante e flexível. Conheci pessoas que admiro e que, com o seu trabalho voltado para o Yoga, orientam, ensinam e desenvolvem uma atmosfera de paz por onde passam. Isto me motiva, me dá energia e disposição para encarar os desafios dentro e fora da água.


VM: No que a prática de Yoga ajuda você no mergulho em apnéia?
KM: O Yoga me possibilita uma melhor compreensão do meu próprio corpo, a consciência corporal. Através dela eu consigo adotar uma postura correta na água, aumentando o meu hidrodinamismo, reduzindo esforço desnecessário e economizando o oxigênio para uma melhor performance. Esta consciência corporal, aliada à uma capacidade de relaxamento profunda, também favorece a manobra da compensação dos ouvidos em grandes profundidades.A flexibilidade e postura favorecem uma ventilação eficiente e uma maior capacidade pulmonar no momento da última e máxima inspiração. Tanto o prānāyāma, como kriyas (especificamente o Rajas Uddiyana Bandha) e āsanas que demandam uma ventilação controlada são excelentes exercícios para o diafragma, aumentando a sua curvatura, e gerando um ganho de capacitadade vital pulmonar. Ou seja, com um maior volume pulmonar eu conseguirei conquistar maiores profundidades ou permancer por maior tempo submersa. Há um verdadeiro domínio da inquietude mental e também no plano emocional, assim consigo manter a paz e serenidade necessárias para um bom mergulho, para uma tentativa de recorde ou competição, onde sempre aparecem dúvidas, momentos de stress no planejamento do mergulho, ou situações em que eu e o grupo temos que contornar, momentos difíceis a ultrapassar, para tudo isto é necessário manter a serenidade e o foco. Os exercícios de prānāyāma e de meditação também melhoram o metabolismo do nosso organismo, auxiliando de forma poderosa na recuperação do corpo, na resistência à doenças e revigoramento das funções de vários órgãos. Isto me permite encarar dias de treinamentos em profundidade com maior vigor.




VM: Você pratica algum tipo de prānāyāma (expansão e domínio da energia vital através de técnicas respiratórias)? Caso sim, qual(is) e no que ele contribui além do desempenho físico?
KM: Sim. Prefiro o Ujjayi e o Kūmbhaka bandha prānāyāma. Eles me ajudam: a purifica os nadis (canais do corpo sutil por onde flui a força vital); reestabelecer o equilíbrio energético; propiciar um estado de atenção e foco, atuar no controle do sistema nervoso autônomo, das emoções e dos pensamentos (chittavritti), garantindo um menor consumo de oxigênio pelo cérebro (que sozinho é responsável por aproximadamente 25%); permitir uma melhor resposta à alterações emocionais negativas e resistência as reações orgânicas do stress.


VM: A meditação faz parte da sua prática? Caso sim, que tipo de meditação você pratica?
KM: Sim. Procuro praticar antes do treinamento e em casa sempre que possível. Também procuro passar para meus alunos nos cursos de mergulho. As técnicas que pratico é o foco na respiração (So Ham) e em mantras, como por exemplo: o gayatri.


VM: Você já enfrentou alguma situação de risco debaixo d´água? Caso sim, como lidou com ela?
KM: Várias... mas o planejamento do mergulho, a equipe treinada, o meu treinamento físico e mental, me ajudaram muito. Lembro-me de um acidente onde bati com a cabeça numa pedra, à 50 metros de profundidade, mas não me apavorei, simplesmente disse mentalmente: "calma, vire, comece a subir", e fui subindo sempre falando comigo mesma “calma, segura, confiante” e o que poderia ser uma tragédia, se tornou um mergulho tranqüilo e sem acidentes. Quando contei para todos o que aconteceu, ninquém acreditou.


VM: Você leva algum tipo de experiência do mar para o seu dia-a-dia? Qual (is)?
KM: Sempre... A primeira delas é viver em harmonia, coisa que o ser “humano” ainda não conseguiu... Debaixo da água há um equilíbrio natural. Fora da água há um desequilíbrio causado pelo próprio homem. Outra lição é a de que não podemos controlar tudo. As mudanças acontecem sempre e é preciso se adaptar à elas. Um dia o mar está revolto, outro está frio demais, outro está escuro, a pressão da água enfim são diferentes situações que te colocam à prova, condições sob as quais temos que praticar habilidades como: aceitar que determinadas situações que não podemos mudar (kshanti). Aceitar certas condições para poder evoluir, sempre em parceria com o mar, não contra o mar. Como dizia um amigo francês: "a apnéia é uma vitória do espírito sobre o corpo, da vontade sobre a necessidade. Ter coragem para mudar". Tive que alterar planos e treinos, reaprender a respirar, recuar para enfim chegar nos recordes mundiais.


VM: Quem são as suas grandes referências no mar e fora dele?
KM: No mar, eu sou apaixonada pelos seus seres: baleias, tartarugas de couro e meros. Fora da água Ayrton Senna e atletas do esporte que pratico, cresci vendo e lendo sobre Enzo Maiorca, Jacques Mayol, Umberto Pelizari, Audrey Mestre, Débora Andollo, Patrick Musimu. No Yoga, Paramahansa Yogananda e BKS Iyengar (este vídeo dele é incrível).




Mais próximo de mim, todos professores através dos quais tive o privilégio de aprender o Yoga.


VM: Qual é a sua preferência alimentar? Você faz algum tipo de acompanhamento nutricional?
KM: 75% é de carboidratos em geral. Frutas, pães, massas, cereais e saladas ... Faço acompanhamento com médico endocrinologista, controle das vitaminas e minerais através de exames rotineiros.


VM: De uma maneira geral, já que você viaja bastante devido a sua profissão, como você vê a relação do homem e o mar hoje em dia? Mudou muita coisa?
KM: As coisas estão piorando cada vez mais, o lixo, a poluição, a pesca predatória, a utilização dos recursos de forma não sustentável, estão acabando com o fundo do mar.... Mas hoje em dia temos muitas pessoas levantando a bandeira da necessidade de proteção dos mares e agindo. Entretanto, acredito que além da conscientização, que é um processo lentro, ainda é pouca a fiscalização, mas ainda há tempo para fazermos algo para reverter a situação. Segue entrevista especial com Dra Sylvia Earle.




VM: Qual o lugar mais especial que você já mergulhou?
KM: Cada local possui suas singularidades, seria difícil destacar somente um, por isto segue o rol: Bonaire – Antilha Holandesa no Caribe, Mar Vermelho - Egito, Fernando de Noronha e Lago Azul - Brasil, Saint Jean Cap Ferrat – França.


VM: O que você mais gosta de fazer nas horas vagas?
KM: Eu adoro outros esportes, então se sobra um tempo e eu posso praticar sem arriscar os treinos de apnéia, eu me mando... bike, corrida, surf. Se não, sossego mesmo e leio um livro interessante, escuto uma boa música e tomo uma taça de vinho tinto.


VM: Você atua em alguma causa em defesa ao meio ambiente? Caso sim, qual (is)?
KM: Procuro ajudar de diversas formas. Recentemente doei uma roupa para leilão do "Brechó Social" sendo os recursos destinados para a ONG SeaShepherd. Sou madrinha do Projeto Baleia Franca e também atuo junto à ONG Ilhas do Brasil, com curso de mergulho gratuito para os filhos de pescadores artesanais em Florianópolis.


VM: Qual é o seu maior desafio e objetivo no mergulho em apnéia hoje?
KM: Na água, continuar avançando em profundidade e ter mais tempo e apoio para fazer os meus “freediving adventures” que são mergulhos de aventura (sem ter que ficar medindo o tempo ou a profundidade, simplesmente mergulhando nos locais mais belos, com as mais belas criaturas). Desejo, ao mesmo tempo, desenvolver sistemas de segurança eficientes. No mergulho livre é tudo muito pouco difundido, até mesmo os acidentes não são divulgados como deveriam, não há muita pesquisa nesta área, cada um desenvolve a sua própria máquina e treina sua equipe de segurança. Nada está pronto, tudo tem que ser estudado, treinado, é preciso uma equipe composta por mergulhadores scuba técnicos e habilitados para descer em profundidade e fazer a segurança. Fora da água, mergulhar na busca pelo autoconhecimento, através do Yoga.


VM: Como você trabalha a sua espiritualidade?
KM: Acredito na força da oração, nos mantras, em leituras assim como tenho muito interesse pelo espiritismo, já participei também de eventos Brahma Kumaris de Raja Yoga, enfim tenho uma curiosidade enorme por tudo que envolve o tema. Seguindo as palavras de Dalai Lama: “Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior”. Visto desta forma acredito que o Yoga também é um caminho para a espiritualidade, incorporando os Yamas e Niyamas em nossas vidas, assim como a meditação. Também procuro dar minha participação àqueles que destinam suas vidas para salvar vidas de pessoas em extremo estado de miserabilidade, os médicos da entidade “Médicins sans frontières” e ajudar aqueles que posso ao meu redor.


VM: Qual significado do mar para você?
KM: Mar significa encontro com a natureza, com a paz. Dos meus melhores mergulhos trago a imagem do azul profundo, sem fim, ao mesmo tempo que percebo um silêncio que me conforta, o ego se dissolve, é como se seu fosse um simples pontinho no azul, mas que, ao mesmo tempo, presencia uma imensa sensação de plenitude, por saber que faço parte deste mundo maravilhoso, desta energia superior que cria e ordena tudo.


VM: O que você considera essencial para se viver bem?
KM: Buscar sempre pelo equilíbrio na vida, pela saúde física, mental e espiritual “sattva guna”.


VM: Que dica você daria para quem está começando a mergulhar?
KM: O "mergulho livre" ou mergulho de apnéia é um esporte de aventura e também de risco, sendo importante lembrar que não ficamos no fundo do mar sem treinamento e regras de segurança! É muito importante que os apaixonados pela água busquem por cursos de formação e sempre treinem ou mergulhem respeitando regras básicas, tais como:
* jamais praticar sozinho,
* estabelecer sinais de segurança com a pessoa que estará supervisionando,
* estar apto para resgate,
* treinar, estar apto para mergulhar,
* não exceder aos seus limites, escutar o seu corpo,
* utilizar material adequado, dentre eles uma boa roupa de neoprene para proteção e manutenção do calor corporal, de preferência de cores como amarelo, branco, laranja, vibrantes, que facilitem a sua visualização na água,
* cuidar da sua saúde em geral (alimentação, hidratação e repouso adequados),
* buscar pelos benefícios da prática do Pilates e do Yoga para o seu desempenho no mundo subaquático.


Mais infomações sobre Karol Meyer - www.karolmeyer.com

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que é Vedānta?




O homem é consciente de si mesmo, de um ser que é incompleto. Essa auto-apreciação é peculiar ao homem, visto que, sendo consciente, ele é também consciente das próprias imperfeições, o que dá origem ao descontentamento. Assim sendo, a vida de um dado indivíduo é governada por desejos que estabelecem o fato dele não estar à vontade consigo mesmo.


Desejos diferem de indivíduo para indivíduo. Não existem duas pessoas com o mesmo grupo de desejos. Cada um cultiva desejos particulares ao ser influenciado pelo meio cultural e pelas condições de vida em que nasce e se desenvolve.


Desejos diferem não apenas de um indivíduo para outro, mas vão se modificando constantemente enquanto vivemos, segundo fatores como idade e posição social. Aquilo que desejamos hoje não é o mesmo que desejávamos na infância.


Do ponto de vista da estimação do valor dos objetos, o universo inteiro pode ser dividido em três categorias:


1. objetos do meu gosto;
2. objetos de aversão;
3. objetos aos quais sou indiferente.


Dentro dessas três categorias, os objetos se permutam. Quero me divorciar da pessoa com quem casei, de quem gostava. Ela é hoje objeto de desgosto. Ou ainda, antes eu era indiferente ao futebol, mas hoje em dia o acompanho com grande interesse. Assim sendo, essas categorias nunca são constantes. Nossos objetos individuais e cultivados são vários e estão sempre a se modificar.


Porém, existe um desejo que é constante e universal: o desejo de ser feliz. Esse não é um desejo cultivado. Não o adquiri numa determinada hora e lugar. É um desejo fundamental, inato a todos. Assim como nasci com fome, sede e outras necessidades, nunca me ensinaram a querer felicidade. Desde que nasci, busco felicidade e contentamento. Esse desejo não é, portanto, sujeito à escolha. É natural. Nem tampouco à modificação. Não posso rejeitá-lo.


De fato, esse é o desejo fonte, causa de todos os desejos secundários e gerais. Através de desejos individuais, me esforço em satisfazer esse desejo inato e fundamental de ser feliz.


Além disso, meu desejo não é meramente o de ser feliz. Quero felicidade total. Não quero nada menos que felicidade absoluta. Estou cansado de ser feliz apenas de vez em quando e em diferentes graus. O que desejo realmente é felicidade absoluta. Quero ser pleno e completo. Quero ser ilimitado.


Aquele que é abençoado com um pensamento claro e maduro certamente reconhecerá que qualquer dos fins alcançados pela realização de desejos secundários não se transformará nunca no resultado que ambicionamos - felicidade absoluta. Não importa quanto adquira em vida, me julgo insuficiente. O problema não está no que quero, mas no querer. Os objetos de desejo surgem e desaparecem, permanecendo somente uma constante música de fundo em minha vida, o fato de que "eu quero... eu quero...".


Tendo reconhecido esse problema, será que posso acreditar sem receio na possibilidade de tal coisa como felicidade plena? Não é isso meramente um sonho de um livro de estórias para crianças ("e eles viveram felizes para sempre")? Sou eu um idealista imprático ao considerar tal possibilidade?


Não. Não é uma mente imatura que procura, mas uma pessoa sensível e capaz de apreciar que esse desejo não é sujeito à escolha, mas é fundamental. Não posso rejeitar o desejo de ser completo, visto que não o escolhi. Tampouco posso negar que a felicidade adquirida na realização dos incontáveis desejos individuais é fugaz, e que me encontro sempre incompleto. Somente um indivíduo prático ousa perguntar: "onde se encontra a felicidade?". Prático porque dirige a sua atenção para a causa do problema. Aqueles que sem entender o problema vão por aí à procura de plenitude na esfera dos desejos individuais ainda estão "procurando no escuro". Aquele que realmente procura é diferente de todos os outros, visto que tenta satisfazer um desejo único capaz de destruir todos os outros desejos. Somente quem reconhece esse problema fundamental é digno de ser chamado mumukshu, pois para ele somente esta busca é válida e significativa.


Se o desejo de ser feliz e ilimitado não é sujeito à escolha e é natural e universal, sem dúvida que não é sem sentido. Os meios de satisfazer os desejos naturais, como fome e sede, são necessariamente providos pela natureza. Assim sendo, tem que haver um meio de satisfazer o mais fundamental dos desejos. E, portanto, sendo esse o mais fundamental dos problemas de minha vida, pede um inquérito adequado.


Quanto mais se vive uma vida consciente, mais o desejo fundamental de ser completo se torna difícil de ser ignorado. E, até que se encontre uma solução para esse problema, não haverá tranqüilidade. O método pelo qual esse inquérito se efetua é chamado Vedānta.


Vedānta, um meio de conhecimento.


Na parte final de cada um dos quatro Vedas encontram-se as Upanishads. A estas é dado a designação geral de Vedānta. A palavra se deriva de vedanam antah, que significa o final dos Vedas. Outra designação dada às Upanishads, geralmente usada e que carrega uma significação importante, é Śruti, que significa aquilo que é ouvido. Aqui podemos apreciar que as Upanishads não são um conhecimento teórico contido em livros, mas um ensinamento que deve ser ouvido.


Vedānta não é um sistema filosófico. Tampouco religião. Vedānta é uma tradição de ensinamento transmitido de mestre a discípulo num fluxo perene desde tempos imemoriais. Assim como não podemos dizer o que veio primeiro, se a árvore ou a semente, é impossível delinear um começo para esse ensinamento.


Rotular Vedānta de "escola de filosofia" ou qualquer tipo de "ismo" é um grande erro da parte daqueles que não se expuseram devidamente ao método de ensino autêntico e tradicional. Nas Upanishads é dito que esse conhecimento deve ser recebido de um Śrotrya Brahmanistha, um mestre não somente versado nos Shástras, mas também uma personificação viva do próprio conhecimento. Somente aquele que encontra um tal mestre pode apreciar a singularidade e eficiência do ensinamento vedântico.


Assim sendo, Vedānta é uma tradição de conhecimento. Conhecimento de quê? Temos ouvido explicações do tipo: "de um caminho para a verdade", "conhecimento do ser", ou "conhecimento da Verdade". Aceitamos todas, porém, o mais acertado será obter da própria tradição o significado do Vedānta. Jiva Brahma Aikyam é a essência do ensinamento, o que significa a identidade que se obtém entre o indivíduo, aquele que busca, e o Fim, o Ser Ilimitado. O ensinamento vedântico é um desdobramento claro e profundo dessa verdade essencial e única.


Outro aspecto importante do Vedānta é o método singular do ensinamento. Vedānta é referido como escola shabda pramānam, ou palavras que são um meio de conhecimento. Por intermédio de um hábil manipular de certas palavras e frases significativas, o mestre leva o estudante a reconhecer a verdade sobre Si Mesmo. Isso é entendido melhor por meio de uma ilustração: um certo indivíduo, pensando ter perdido suas chaves, não percebe tê-las em seu bolso, e sai à procura delas como um louco. Seu filho menor, cujas mãozinhas já reviraram bem aqueles bolsos, sabe exatamente onde estão as chaves, e diz: "Papai, olhe em seu bolso. As chaves estão com você". Resmungando, o pai verifica em seus bolsos e descobre então que as chaves estavam consigo o tempo todo.


Na verdade, as chaves não estavam perdidas, mas de algum modo não as havia notado, e a sensação de perda fez com que as procurasse em outro lugar. Mesmo depois de muita procura, ele não as acharia, pois eram algo já adquirido. Ele as tinha consigo todo o tempo. O conhecimento errôneo "minhas chaves estão perdidas" precisava ser substituído pelo conhecimento correto "as chaves estão comigo". O conhecimento transmitido por meio de uma frase dita por alguém bem informado libertou o homem de sua sensação de perda. Ao ouvir palavras adequadas e na hora certa, ele compreendeu ser o "possuidor das chaves". Exatamente o que almejava ser. As palavras foram o meio pelo qual ele se livrou de sua ignorância.


Do mesmo modo, em Vedānta, as palavras são o meio de conhecimento pelo qual o mestre indica uma verdade já existente. A identidade existente entre o ser individual e o Absoluto é expressa pela frase "tu és Aquilo". Não se diz "tu te tornarás Aquilo (mais tarde)". Visto que essa verdade é algo já existente, não será adquirida através de uma ação, mas sim por conhecimento. E para conhecer algo é necessário um meio de conhecimento. Vedānta é o meio de conhecimento que, por ser em forma de palavras, necessita de um mestre. Um mestre de Vedānta é aquele que dissipa a escuridão, a ignorância que impede alguém de conhecer a si mesmo.


Vedānta é, então, um meio de conhecimento que proporciona o conhecimento do Ser. Outros meios de conhecimento à nossa disposição não o possibilitam, e, portanto, esse método de conhecimento em particular se faz necessário. Assim como nossos olhos são os meios de conhecimento para que formas e cores sejam conhecidas, Vedānta é o meio para o conhecimento do Ser. Om.


Por Gloria Arieira e Walter Alvarenga, em 1978.
Gloria Arieira, fundadora do Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito - http://www.vidyamandir.org.br/