sexta-feira, 28 de maio de 2010

Entrevista: Pedro Kupfer


Pedro Kupfer nasceu em Montevidéu, Uruguai. Hoje com 44 anos de idade, descobriu o Yoga aos 16 e desde aquele momento nunca parou de praticar. Pedro traçou uma longa trajetória no mundo do Yoga, sendo um entusiasta praticante e autor de sete livros sobre esta filosofia. Ele bebeu na própria fonte do Yoga, a Índia, desde muito cedo. Retorna todo ano para aquele país, a fim de atualizar seus conhecimentos e aperfeiçoar-se na via do Yoga e no Vedānta, junto ao seu mestre, Swami Dayananda. Atualmente, vive junto com sua companheira Ângela Sundari na estrada, entre a Ásia e o Brasil.

Pedro atua também na Aliança do Yoga do Brasil (http://www.aliancadoyoga.com.br/), além de escrever vários artigos no seu site http://www.yoga.pro.br/.


Vicente Morisson: Quando você se interessou pelo Yoga?
Pedro Kupfer: Aos 16 anos de idade (isso foi 28 anos atrás), um amigo me apresentou um livro do filósofo Alan Watts, que falava sobre a meditação no mantra Om. Por alguma razão, esse texto, que dizia que para viver em liberdade era preciso “chegar no Om”, me tocou profundamente e me motivou a começar a prática. Assim que fiz as primeiras práticas no Satyananda Niketan, em Montevidéu, senti que havia algo muito bom no Yoga e descobri que praticar, estudar (e, posteriormente, ensinar) o Yoga era minha vocação.


VM: Algo mudou desde quando você começou a praticar?
PK: Sim, claro. Desde aquele momento, cresci, e não apenas física ou mentalmente. Percebo que cresci muito ética e emocionalmente também, o que é importante, e que ainda tenho um longo caminho pela frente nesta jornada que é o auto-aperfeiçoamento. Sinto que o Yoga não é para conformistas, e que o fato de saber que o caminho é longo me deixa muito confortável.


VM: Como é a sua prática pessoal?
PK: A minha prática foi variando muito ao longo do tempo. Houve momentos em que cheguei a praticar oito horas de āsana por dia, sem contar a meditação e as demais técnicas. Já deixei de praticar as posturas por um bom período na década de 1990, mas nunca deixei de meditar. Hoje em dia, a minha prática oscila entre os 90 e 120 minutos diários, e isso inclui āsanas, prānāyāma, relaxamento e meditação. Ocasionalmente, dependendo do lugar e as circunstâncias, posso aumentar ou diminuir essa duração. Aqui na Indonésia pratico em função das marés: se o mar estiver bom de madrugada, deixo a prática para o fim da tarde; senão, pratico de manha e depois vou para o surf.


VM: Quando você se interessou pelo estudo do Vedānta?
PK: Qualquer praticante de Yoga, cedo ou tarde, irá se encontrar com o Vedānta e, se estiver preparado para perceber o valor dessa visão, que pode ser determinante na maneira em que olhamos para a vida, irá se dedicar ao autoconhecimento. Não estou dizendo com isso que o Vedānta seja diferente do Yoga, mas que ele é a mais parte essencial do Yoga. Noutras palavras, sem Vedānta não há Yoga. Embora não tenha encontrado um professor bem preparado no início da minha trajetória na década de 1980, tive a boa fortuna de conhecer o trabalho da ótima professora Gloria Arieira, do Rio de Janeiro, há mais de 10 anos, em 1999. Um ano depois, tive a bela oportunidade de conhecer pessoalmente Swami Dayananda, mestre dela, que teve a generosidade de me aceitar como seu aluno. Desde 2002 vou anualmente para seu Ashram em Rishikesh, para continuar meus estudos.


VM: Sabemos que a sua outra grande paixão é o surf. Como surgiu esse interesse?
PK: Surfo desde o dia do naufrágio do Bateau Mouche, no reveillon de 1988. O mar estava enorme e fiquei totalmente apaixonado. Aprendi a surfar em Itaúna, Saquarema - RJ. Comecei porque intui que o surf era um exercício de reflexão profunda, já que, antes de ser um esporte, fazia parte da espiritualidade do povo polinésio.


VM: Você vê alguma relação entre o Yoga e o surf?
PK: Sempre lembro de uma frase do Nat Young, campeão mundial de 1966 (aliás o ano em que nasci): “Se, na época, tivessem me perguntado o que era o surf, teria respondido que era uma atividade espiritual. Isso teria nos poupado um monte de problemas”. Vejo o surf como uma prolongação da espiritualidade que vivencio no Yoga, uma meditação em movimento com a qual podemos aprender muito sobre a arte de existir.



VM: Você já enfrentou alguma situação de risco no mar?
PK: Já passei por várias “roubadas”, como todo surfista que gosta de se arriscar para pegar ondas maiores. Já fui pego por fortes correntezas em diversos picos. Já perdi a prancha em mares muito grandes. Já fraturei três dedos e duas costelas, me ralei nos corais, cortei os pés nos fundos de pedra de Portugal, ganhei várias contraturas e muitas dores, além de ter quebrado dúzias e dúzias de pranchas nesses mais de 20 anos na praia. Além disso, tenho tendinite num ombro, otite e sinusite crônicas por causa da água gelada do Chile, mas não lembro de nenhuma situação especialmente arriscada no mar.


Talvez a virtude de aplicar o conhecimento do Vedānta e as técnicas do Yoga no surf seja justamente que a gente fica relaxado no mar, pois sabe desde o início que não está no controle de nada. Assim, surfo o mais relaxado possível. Isso não significa que não sinta medo quando o mar fica grande. O medo se apresenta, mas eu não deixo de fazer o que quero por conta dele. Não deixo que o medo me imobilize e surfo confiando no mar, na prancha e nas minhas forças. Tenho uma espécie de convicção de que não irei morrer por causa das ondas, e isso me deixa relaxado para surfar.


VM: O que significa o surf para você?
PK: Há algumas coisas no surf de alma que são incompreensíveis para aqueles que não surfam. De modo geral, as pessoas pensam que o surf seja um esporte ou uma atividade física. O mesmo erro de percepção acontece, aliás, com o próprio Yoga: muita gente, acha que o Yoga seja um exercício físico apenas. A magia do surf acontece dentro do tubo, que seria uma espécie de samādhi para o surfista.


Não estou falando aqui do surf como atividade recreativa, mas como prática espiritual mesmo. O surf, antes de ser um esporte, foi para a civilização polinésia um ritual onde se repetia a viagem ao desconhecido, ao mundo enigmático que se oculta no mar. Buscar a onda épica é uma maneira de transcender os medos e condicionamentos.


Situado frente ao vazio, na parede vertical da onda, o surfista primitivo encontra o significado da existência. Sozinho frente ao oceano, ele se transforma através do contato com o mar, que simboliza o poder da vida contido no inconsciente. No topo da vaga, frente ao abismo, ele cresce no contato com as forças da natureza.


Essa entrega ao mar renova o paradigma do herói mítico que se transforma ao longo da jornada. Quem sentiu o tempo parar, e a unidade entre as forças da natureza e as próprias ao cortar uma muralha de água em movimento compreenderá perfeitamente esta afirmação.


VM: Quem são as suas grandes referências no mar e fora dele?
PK: O melhor surfista não é o que consegue completar a manobra mais arriscada, mas aquele que tem o maior sorriso no rosto. Meu ídolo é esse cara. Respeito imensamente e gosto muito do estilo do Carlos Burle, que me concedeu a honra de praticar Yoga comigo. Ele é o paradigma do soul surfer, um verdadeiro gentleman dentro e fora d’água. Gosto da figura que é o Gerry Lopez, sempre sorridente e tranquilo, como bom yogi que ele é. Tento me inspirar no exemplo vivo do meu mestre, Swami Dayananda, para viver yogikamente.



VM: Qual é a sua preferência alimentar? Você faz algum tipo de acompanhamento nutricional?
PK: Sou vegetariano á mais de 25 anos e estou muito satisfeito com essa minha opção. Sempre há um jeito de se manter dentro da dieta, independentemente de onde estiver. Isso é especialmente importante para mim em termos éticos, pois o vegetarianismo defende o princípio da não-violência. Não faço nenhum tipo de controle ou acompanhamento nutricional.


VM: De uma maneira geral, já que você viaja bastante devido a sua profissão, como você vê a relação do homem e o mar hoje em dia?
PK: Na era do desenvolvimento desenfreado, o mar é visto pelo ocidental como uma espécie de lixeira, onde é possível jogar desde lixo atômico a toda sorte de podridão, e uma fonte “inesgotável” de recursos. Já outras culturas tradicionais e mais respeitosas em relação ao meio ambiente, como a maori e a dos demais povos polinésios, consideram que os oceanos sejam sagrados e dignos do maior respeito.


Creio que deveríamos aprender com essas pessoas, para poder entregar um mar não muito podre para a próxima geração. Estou aqui no extremo sul da Indonésia, no arquipélago de Nusa Tenggara. Não há nada entre este lugar e a Antártida. Mesmo assim, aparece lixo boiando por aqui, e não é lixo local. Vejo lixo em todas as praias por onde passo.


Se não fizermos algo neste momento para reverter essa situação, o problema do lixo no mar irá se tornar crônico e irreversível. Por outro lado, o peixe está acabando por conta da pesca predatória, que não leva em consideração o ciclo de vida da fauna marinha. Noutras palavras, as nações que pescam desse jeito (com o Japão à frente) estão cavando o próprio túmulo. Esse, sozinho, já seria um bom motivo para qualquer surfista tornar-se vegetariano.


VM: Qual foi o lugar mais especial onde você já surfou?
PK: Não posso dizer. Comprometi-me com as pessoas daquele lugar para não mencionar o nome. Mas posso dizer que ainda há muitos lugares super especiais pelo planeta afora. Cada surfista tem um mito pessoal: o da busca da onda perfeita. Eu achei essa onda, que é perfeita para mim em termos de força, forma, tamanho e consistência, mas certamente não o será para outrem. Gosto muito da onda de Punta de Lobos, no Chile e de Nusa Dua, em Bali. Também gosto bastante de Nias, perto da Sumatra, de Supertubos, em Portugal, e de Itaúna, em Saquarema. Algumas dessas ondas são esquerdas, outras são direitas. Gosto de ambas.


VM: Além do surf, o que você mais gosta de fazer nas horas vagas?
PK: Tocar cantar mantras, tocar música e ler. Mantemos uma banda de música experimental com alguns bons amigos da praia onde moro. Tocamos algo que é uma espécie de fusão das harmonias da música indiana e mantras, por um lado, com rock e blues pelo outro. Nos divertimos muito.


VM: Você atua em alguma causa em defesa ao meio ambiente?
PK: Quando estou no Brasil, trabalho em prol da SOS Mariscal, uma pequena ONG do município de Bombinhas, onde moro com minha esposa que ajudei a fundar oito anos atrás. Plantamos mudas para restaurar a mata nativa em áreas que foram degradadas, demarcamos as áreas de preservação ambiental (trabalho que a própria prefeitura devia fazer, mas enfim, todos sabemos como são as coisas no Brasil...), fazemos pressão na Câmara dos Vereadores para evitar que sejam votadas leis que permitam, por exemplo, a edificação de prédios altos na nossa praia e lutamos para preservar o que restou de mata atlântica na porção de litoral que escolhemos para viver.


VM: Qual é o maior desafio na sua profissão hoje?
PK: Continuar do jeito que as coisas estão fluindo. Não vejo muitas mudanças de rumo. Acho que encontrei um ponto de equilíbrio razoável entre trabalho pelo bem comum, trabalho para subsistência e momentos dedicados à praticar e surfar. Não tenho poupança nem plano de saúde, nem carro nem celular, nem planejo ter essas coisas no futuro. Quero continuar viajando do jeito que tenho feito nos últimos anos, estudando na Índia com meu mestre, trabalhando no Brasil, praticando e surfando nas ilhas do Oceano Índico.


Mais sobre o trabalho do Pedro Kupfer - http://www.yoga.pro.br/

2 comentários:

  1. Vicce e Pedro, obrigadaço por compartilhar essas coisas boas com a gente!
    Lendo, voltei a me perguntar, pq. complicar? O conhecimento dá a paz e a serenidade que penso serem necessárias para viver plenamente.
    Beijo grande,
    N

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  2. Massa essa entrevista!!!! Esse é o velho e querido Pedro, sempre nos inspirando.
    Aloha, Harih Om!
    Adrian
    www.yogasantosha.blogspot.com

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